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31/08/2013 QUE BOSTIAN! UMA FICÇÃO


QUE BOSTIAN! UMA FICÇÃO

 
Luiz Otavio Nascimento – “LON”
 
O Congresso Nacional, num esforço excepcional, trabalhou dois dias numa semana e, graças a isso, descobriu um mundo paralelo ao nosso na distante galáxia Reality. Nele, foi encontrado um país denominado Bostian com uma população de 200 milhões de bostonianos e bostonianas que, há quase 10 anos, elegeram um dos seus simples mortais para presidir sua ainda jovem e instável república.

Consta da história agora revelada que, ao contrário do que os seres esclarecidos de Bostian esperavam, o simples mortal eleito, rapidamente abandonou todas suas teses anteriores de honestidade e dignidade, e se fez passar por profeta - sempre falando por metáforas - pregando um Bostian Maravilha criado somente por ele. E, para manter acesa a esperança dos seus cidadãos, comprou políticos locais com mesadas; e esses, então transformados em apóstolos de primeira hora, o ajudaram a criar e distribuir inúmeros tipos de auxílios financeiros para os mais desventurados.

Todos os agraciados passaram, juntos, a acreditar com tal força no falso profeta, que até ele mesmo passou a pensar que era o único filho, belo e adorado, de Júpiter. Tal como os antigos césares, o mortal transformado em profeta - necessitando conjugar obtenção de mais riqueza e prestígio - conseguiu trazer para Bostian o campeonato mundial de queimada, esporte nacional de grande prestígio, um verdadeiro circo.

Para a realização deste evento precisariam ser construídas novas, luxuosas e dispendiosas arenas, e isto traria no seu bojo oportunidades de grandes ganhos. Os bostonianos, alertados por alguns poucos opositores, não acreditaram em tamanha traquinagem, pois nada do que falassem contra o profeta chegava sequer arranhar a máscara de madeira que, desde o primeiro dia de seu governo, lhe cobria a face. E, assim, ele construiu uma nova realidade e conseguiu eleger sua sucessora, Deuzero.

Deuzero que, até então, nada tinha feito na vida real (daí talvez tenha surgido o seu nome apocalíptico), bem que tentou continuar a obra do profeta, mas faltou-lhe tudo, inclusive paciência e as famosas, mas já gastas, metáforas. Tentou ressuscitar promessas feitas pelo antecessor, mas decorrida uma década não havia mais desculpa por não terem sido cumpridas.

A popularidade da Deuzero começou a erodir. A noite da sua gestão começava a perder espaço para a luz dos primeiros raios de sol. Com a claridade, muitos jovens bostonianos deixaram de acreditar no milagre e foram às ruas protestar contra a dura realidade que se descortinava. Ao invés de empregar o suado dinheiro do povo em melhorias públicas, ele era gasto em faraônicas arenas.

A luz também revelou que os apóstolos do profeta estavam ricos e abrigavam ladrões. Alguns deles, pegos com as vestes cheias de dinheiro, foram mandados para a cadeia, junto com empresários que os tinham ajudado a enganar o povo. Armar maracutaias estava ficando cada vez mais difícil, uma vez que os bostonianos estavam ficando vigilantes.

Agora, se avizinhava a próxima eleição, e Deuzero e o profeta estavam preocupados. A eventual perda de poder poderia relevar a todos os bostonianos a verdadeira e trágica farsa que haviam montado. Era necessário fazer tudo para evitar a derrota que se vislumbrava.

Nesse sentido, convocaram o Consultor Mestre à capital de Bostian que, após estudar minuciosamente a situação, alertou que precisam fazer duas coisas simultaneamente para mostrar que eles tinham construído o Bostian Maravilha: garantir que a seleção bostoniana vencesse o campeonato mundial de queimada e investir rios de dinheiro em propaganda política.

No plano apresentado deveriam ser investidos centenas de milhões de dinheiro. Uma parte disso deveria ser dada ao presidente do Comitê Global de Queimada para que esse remunerasse condignamente, por debaixo dos panos, a certos juízes do jogo, visando assegurar as vitórias do time bostoniano, criando um clima ufanista. A outra parte seria gasta em propaganda em rádio e televisão, contratando artistas e celebridades para declarar seu amor ao profeta e à Deuzero, sua súdita leal. O excesso de propaganda também transformaria os opositores em demônios ensandecidos.

A estratégia parecia ótima, mas havia um grande problema: onde conseguir o dinheiro para tudo isso? Os empresários estavam amedrontados face ao acontecido, por seus colegas terem ido para a prisão. O partido do profeta estava com caixa baixo e a intenção de obter financiamento público de campanha tinha fracassado.

Nesse instante de reflexão, eis que surgiu Alexandre, Ministro das Obras, com uma ideia genial. Em Bostian, havia anos, faltava mão de obra de pedreiros. E nada havia sido feito para sanear isto. Não criaram escolas, não deram incentivos. As grandes verbas arrecadadas para o setor foram desviadas para outras coisas. Deu no que deu! A falta de pedreiros agora era pública e notória, não dava para esconder. A solução, apregoava Alexandre, mataria vários coelhos com uma só cajadada.

A ideia genial seria importar e pagar por 10.000 pedreiros da ilha dos Irmãos Demo. Para cada um dos pedreiros, o governo de Bostian pagaria 10.000 dinheiros à ilha e, dessa maneira, a arrecadação mensal seria da ordem de 100 milhões e isso, na pior hipótese, iria até as próximas eleições, o que representaria cerca de 1.3 bilhões. Os irmãos Demo dariam somente 20% do valor aos pedreiros escravos e a diferença dividiriam com o partido do profeta e da Deuzero, o que geraria mais de 500 milhões para suportar o plano do Consultor Mestre. Estava aí, então, a solução de todos os problemas.

Alexandre mostrou seu valor e o profeta prometeu fazê-lo governador de importante província. O Consultor Mestre mais uma vez foi competente. “Êta cara bom, sô!”

Mais relaxado, com tudo combinado com o presidente do Comitê Global de Queimada e os Irmãos Demo, o profeta tomou uma boa dose de Courvoisier, deu uma baforada no seu charuto, voltou-se para Deuzero e fez um alerta: quebrei novamente o seu galho, companheira. Vê se não estraga mais nada, pô!

E, assim, prosseguiu a vida em Bostian na distante galáxia Reality.

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